“Não há o que celebrar em um cessar-fogo construído sobre bases tão precárias. É preciso denunciar sua natureza desigual e reafirmar a luta internacional pela libertação da Palestina, baseada em justiça, autodeterminação e responsabilidade política global”, afirmou Regina Célia da Silva, 2ª vice-presidenta da Regional São Paulo do ANDES-SN.
Desde o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, a resposta militar de Israel resultou em uma ofensiva devastadora contra Gaza, com a destruição de hospitais, escolas e universidades e o assassinato de dezenas de milhares de civis palestinas e palestinos. Segundo dados da Al Jazeera, de 19 de outubro, a guerra de Israel em Gaza já matou ao menos 68.159 pessoas e feriu 170.203 desde 2023. Em Israel, 1.139 pessoas foram mortas nos ataques de 7 de outubro, e cerca de 200 foram feitas prisioneiras.
Para Regina Célia, a escalada da violência consolidou a percepção de que Gaza se tornou um “laboratório” de extermínio e experimentação militar, cujos efeitos ultrapassam fronteiras. “Essa constatação tem provocado uma ‘ressensibilização’ ética e política nas universidades, espaços historicamente comprometidos com a defesa da vida, da justiça e dos direitos humanos”, destacou.
Cessar-fogo frágil e unilateral
A nova proposta de cessar-fogo foi assinada em 13 de outubro, no Egito, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sem a presença do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, nem de representantes do Hamas. O acordo, com 20 tópicos divididos em fases, foi mediado pelo Egito, Catar e Turquia.
Nesse domingo (19), Israel retomou os ataques à Faixa de Gaza e bloqueou a entrada de ajuda humanitária destinada à população palestina. As forças israelenses realizaram uma nova série de bombardeios, que pode comprometer o cessar-fogo articulado pelos Estados Unidos.
De acordo com autoridades locais, os ataques aéreos e disparos de tanques israelenses mataram ao menos 18 pessoas, entre elas uma mulher.
Para a diretora do ANDES-SN, a proposta deve ser vista com “extrema cautela”. “Trata-se, em grande medida, de uma proposta unilateral e oportunista, que não nasce de um processo verdadeiramente democrático nem envolve amplos setores da sociedade palestina. Sem a participação efetiva do povo palestino e de países dispostos a se opor ao imperialismo estadunidense e ao governo de Israel, qualquer cessar-fogo se torna apenas uma fachada diplomática”, afirmou.
Ela ressalta ainda que, sem ações concretas de boicote, desinvestimento e sanções, o que está em curso é uma proposta de rendição e aprofundamento do controle e da destruição do povo palestino. “A história mostra que Estados Unidos e Israel não são interlocutores confiáveis — suas políticas seguem a lógica colonialista do extermínio e do apartheid”, completou.
Este não é o primeiro cessar-fogo anunciado. Em janeiro deste ano, Israel e Hamas chegaram a um acordo que previa a troca de reféns. No entanto, o governo israelense suspendeu a libertação de mais de 600 prisioneiras e prisioneiros palestinos, alegando supostas violações do Hamas durante a entrega dos reféns, gesto que provocou a reação do governo de Benjamin Netanyahu e evidenciou a fragilidade e a instabilidade dos acordos firmados.
Boicote, Desinvestimento e Sanções
Durante a intensificação dos ataques, o ANDES-SN tem reafirmado seu posicionamento histórico à causa palestina e ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), além de promover atos e manifestações públicas. O sindicato também celebrou as vitórias da mobilização acadêmica no Brasil, com universidades que romperam convênios com instituições israelenses envolvidas no regime de apartheid e na indústria bélica.
Segundo o Comitê Unicamp Palestina Livre, as universidades Estadual de Campinas (Unicamp), e as federais Fluminense (UFF) e do Ceará (UFC) estão entre as instituições que rescindiram acordos com universidades israelenses, em coerência com os princípios de direitos humanos e solidariedade internacional.
Após intensa mobilização da comunidade acadêmica, incluindo a Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp-Seção Sindical do ANDES-SN), a Unicamp anunciou, em 30 de setembro, a rescisão unilateral do acordo com o Instituto Tecnológico Technion, a mais antiga universidade de Israel, conhecida por suas ligações com a indústria bélica e o governo israelense.
Em 2024, o Conselho Universitário da Unicamp já havia aprovado uma moção apresentada pelo Comitê Unicamp de Solidariedade ao Povo Palestino, reforçando a exigência de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.
No mesmo dia, a UFF rompeu o convênio com a Universidade Ben-Gurion (BGU), denunciada por parcerias com o Ministério da Defesa de Israel e com empresas de armamentos utilizados em Gaza. A decisão ocorreu após forte mobilização estudantil e sindical, com atos, abaixo-assinados e acampamentos nos campi da universidade.
Mais recente, em 6 de outubro, o Conselho Universitário da UFC aprovou o cancelamento do acordo de intercâmbio e cooperação acadêmica com a Universidade Ben-Gurion, firmado em 2022. A decisão foi motivada pela escalada de violência de Israel e pela pressão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e de movimentos sociais e sindicais.
Recentemente, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) lançou editais exclusivos para refugiadas e refugiados palestinos no âmbito do “Programa Humanitário para Refugiados Palestinos”, oferecendo 10 vagas para estudantes de graduação e três para docentes visitantes. O programa inclui apoio como passagens, bolsa de extensão, moradia, atendimento de saúde e auxílio estudantil, além de acompanhamento jurídico e logístico para permanência.
Segundo a diretora do ANDES-SN, a sensibilização das universidades brasileiras decorre também de um conjunto de fatores que rompeu o silêncio e a parcialidade histórica em torno da Palestina.
Para ela, as ações diretas, como as flotilhas solidárias, expuseram o caráter desumanizador da ocupação israelense, enquanto o rompimento da bolha midiática e a força das redes sociais permitiram a difusão de imagens e relatos do genocídio em tempo real. Essa visibilidade, somada à mobilização estudantil, sindical e universitária — especialmente em países como Estados Unidos —, tem impulsionado o debate nas universidades brasileiras.
ANDES-SN em luta
O ANDES-SN tem uma longa trajetória de solidariedade ao povo palestino, iniciada em 2003, e de condenação às ações do Estado de Israel na região. Em 2018, o Sindicato aderiu à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). No 42º Congresso, em 2023, foi aprovada a moção "Não é guerra, é genocídio!", e no 67º Conad, em 2024, o ANDES-SN deliberou por lutar pelo rompimento das relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e Israel.
Em novembro de 2024, representantes da Diretoria Nacional do ANDES-SN participaram de uma reunião no Itamaraty, onde cobraram a ruptura das relações diplomáticas, comerciais, militares e acadêmicas do Brasil com Israel.
No 43º Congresso do ANDES-SN, realizado no final de janeiro deste ano, a categoria docente reafirmou a solidariedade ao povo palestino, o compromisso com a autodeterminação palestina e a denúncia das violações cometidas contra esse povo. Desde a intensificação dos ataques em Gaza, o Sindicato Nacional publicou ainda notas de repúdio, vídeos e a série "Palestina Livre" em seu canal no YouTube, como parte da denúncia do genocídio contra o povo palestino.