O ANDES-SN realizou um debate nacional sobre o fim da lista tríplice na tarde de terça-feira (9), no Auditório Marielle Franco, na sede do Sindicato Nacional. O debate integrou o Dia Nacional de Luta pelo Fim da Lista Tríplice, em defesa da gestão democrática das instituições públicas de ensino e da autonomia universitária.

Márcia Abram Moura, docente da Universidade de Brasília (UnB) e ex-reitora da instituição por dois mandatos, destacou que o debate sobre autonomia universitária é fundamental. Ao abordar as universidades federais, lembrou que a UnB, fundada por Darcy Ribeiro, foi organizada para se libertar da opressão burocrática ministerial. Ela contou que a história da universidade é marcada por ataques, tendo sido invadida várias vezes pela polícia, e que a eleição paritária só foi conquistada em 2008.
A ex-reitora destacou que a autonomia, prevista na Constituição de 1988, abrange as esferas administrativa, didático-científica e de gestão, e precisa ser efetivada. A professora ressalta que a luta pelo fim da lista tríplice não é isolada, mas integra uma agenda maior em defesa da autonomia, que tem sido corroída por decisões infralegais.
Ela também mencionou a importância da decisão do STF em defesa da autonomia das universidades em 2018, ano em que, segundo a ex-reitora, as instituições “foram muito atacadas” e “impedidas algumas vezes de fazer manifestações”. Márcia lembrou ainda diversas medidas adotadas para intervir na escolha de reitores e reitoras, como a medida provisória editada em junho de 2020, sob a justificativa da pandemia de covid-19. Citou, inclusive, uma manchete publicada em um portal de notícias: “Após medida provisória de Bolsonaro, UnB pode ter reitor escolhido por Abraham Weintraub”.
A professora destacou que, entre 2019 e 2022, foram registradas 22 intervenções diretas na escolha de reitores e reitoras. Somadas às nomeações pró-tempore e a manobras administrativas, totalizaram 29 interferências na autonomia universitária. Explicou, ainda, que esses episódios formaram um padrão de desrespeito às decisões das comunidades acadêmicas.

José Carlos Santana, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e ex-reitor por dois mandatos, apresentou um panorama da luta contra a lista tríplice em sua instituição. Ele recordou que o primeiro marco de vitória ocorreu em 1985, quando a lista tríplice para a escolha de diretoras e diretores de departamentos foi extinta. “Esse é um marco importante nessa história de luta contra a lista tríplice dentro da universidade, porque é o primeiro movimento de vitória da nossa luta”, afirmou.
Segundo Santana, outro momento decisivo ocorreu em 1987, quando as categorias realizaram uma “consulta à universidade” com inscrição de chapas, ampliando a participação democrática. “Pela primeira vez, nós conseguimos as três categorias organizadas realizar uma eleição na universidade, uma chamada consulta à universidade com inscrição de chapas e eleição na universidade”, explicou.
Após ser eleito em 2007, sua chapa implementou seu programa e, em sua reeleição, não enviou lista ao governo estadual, mas sim o resultado direto da votação da comunidade. O governador da época, Jaques Wagner, reconheceu a prática. No entanto, seu sucessor, Rui Costa, não manteve a conduta. “Fica evidente que, na Uefs, o processo de luta contra a lista tríplice é contínuo, ainda que marcado por avanços e retrocessos”, afirmou o ex-reitor.
Já André Ferreira, presidente da Seção Sindical dos(as) Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-SSind.) contextualizou a intervenção sofrida pela Universidade Federal do Ceará (UFC) durante o governo Bolsonaro. Ele recordou que o reitor interventor foi um candidato que obteve menos de 6% dos votos na eleição e era o terceiro da lista. A intervenção produziu um período conturbado, marcado por ataques aos conselhos, além de perseguições políticas.

“A intervenção gerou um período conturbado na instituição, com ataques aos conselhos, grandes dificuldades de diálogo, desagregação institucional, perseguições políticas e um clima geral de apreensão. É um cenário de trabalho nada produtivo, mesmo sob critérios estritamente produtivistas ou de produção acadêmica”, relatou.
Como exemplo, citou a desfiliação unilateral da UFC da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em 2021, sem deliberação do Conselho Universitário. Lembrou ainda o viés negacionista da intervenção e as tentativas de destruir a gestão democrática ao submeter a universidade a critérios de mercado.
Entre outras ações, a gestão interventora eliminou a representação estudantil nos conselhos superiores sob a falsa alegação de fraude eleitoral, distribuiu de forma arbitrária e sem transparência vagas de docentes e técnicos, rompendo com a política de reposição automática de aposentadorias nos departamentos. Também atacou a política de bolsas ao não estabelecer critérios transparentes para sua implementação.

De acordo com Cláudio Mendonça, presidente do ANDES-SN, a defesa da autonomia universitária está diretamente ligada ao projeto de uma universidade que seja pública, democrática, transparente, gratuita e autônoma.
Cláudio Mendonça contou que a Lei 5540, de 1968, Lei da Reforma Universitária, e parcialmente revogada ou alterada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 (Lei nº 9.394), que estabelece lista, foi instituída semanas antes do AI-5, classificando-a como um "entulho militar" e da ditadura empresarial-militar. Para ele, a luta pelo fim da lista tríplice é considerada fundamental para o fortalecimento da democracia e permitir que o ensino, pesquisa e extensão não sejam submetidos ao controle autoritário de gestores.
Ele reforçou ainda a urgência de dar continuidade a deliberação do ANDES-SN pelo fim da lista tríplice. O sindicato, conforme o presidente do Sindicato Nacional, defende que o reitor e o vice-reitor devem ser escolhidos por meio de eleições diretas e voto secreto, com participação universal ou paritária de todas as categorias, incluindo docentes, estudantes, técnicas e técnicos. A entidade defende que o processo eletivo deve começar e terminar no âmbito da instituição, sem interferência de nenhum governo.

Mendonça citou ainda a participação do ANDES-SN como amicus curiae na ADPF 548, que tratou da liberdade de expressão nas universidades brasileiras, e a criação da campanha “O que alguns chamam de balbúrdia, nós chamamos de produção de conhecimento público!”, que reuniu diversos relatos de docentes que, durante a pandemia e sob um governo genocida, atuavam nos laboratórios para salvar vidas e apoiar famílias.
Por fim, lembrou o dossiê “Militarização do Governo Bolsonaro e Intervenções nas Instituições Federais de Ensino”, publicado em 2021, que apresenta levantamento das intervenções e análise política. “É um material muito importante, que resgata o histórico de lutas que travamos, tanto no campo político quanto no jurídico”, afirmou.
“Nosso sindicato vai continuar firme na luta pela democratização das nossas universidades federais, estaduais, municipais e distritais, assim como também dos institutos federais”, concluiu o docente.

Fotos: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN