A censura na sala de aula é recorrente e generalizada no Brasil e se intensifica em anos eleitorais, segundo um novo estudo do Observatório Nacional da Violência contra Educadoras/es (ONVE), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF). A pesquisa revela que 93% das educadoras e dos educadores já tiveram contato, direto ou indireto, com atos de censura desde 2010, indicando que a perseguição ao trabalho docente é um fenômeno amplo, persistente e cada vez mais presente nas instituições de ensino.
O relatório, intitulado “Um estudo quantitativo sobre a perseguição de educadoras/es no Brasil”, analisou 3.012 respostas válidas, com relatos e evidências de ataques sofridos por profissionais da educação e traça um panorama preocupante sobre as violações à liberdade de ensinar e ao direito à educação democrática no país.
A amostra analisada concentrou-se principalmente em educadoras e educadores regentes, que planejam e ministram aulas conforme as políticas curriculares, distribuídos entre a educação básica, o ensino técnico e tecnológico e superior. Também incluiu profissionais não regentes, como técnicas e técnicos administrativos, merendeiros e merendeiras. A maior parte das e dos respondentes atua na educação básica.
O estudo mostra que a censura está disseminada por todas as regiões e etapas da educação. 44% das e dos respondentes afirmaram ter sido alvo de restrições à liberdade de ensinar quatro vezes ou mais no período analisado.
Os dados também apontam um crescimento contínuo dos episódios ao longo da década, com picos nos anos eleitorais - especialmente em 2018 e 2022. Entre os temas mais censurados estão aqueles considerados “polêmicos” por parte da população, como questões políticas (73%), gênero e sexualidade (53%), questões religiosas (48%), negacionismo científico (41%) e questões étnico-raciais (30%).
A pesquisa identifica ainda que a censura opera como uma forma de violência multidimensional, manifestada por tentativas de intimidação, questionamentos agressivos, até agressões verbais e físicas. Dentre as e os que foram diretamente censurados, 58% relataram tentativas de intimidação, 41% sofreram questionamentos agressivos sobre seus métodos de trabalho e 35% enfrentaram proibições explícitas de conteúdo. As educadoras e os educadores também relataram ter sofrido demissões (6%), suspensões (2%), mudança forçada do local de trabalho (12%), remoção do cargo ou função (11%), agressões verbais e xingamentos (25%), e agressões físicas (10%).
A violência parte, segundo o estudo, em maioria, de profissionais da área pedagógica das instituições - diretor, coordenador, orientador e similares -, correspondendo a 57% dos casos. Familiares de estudantes (44%), estudantes (34%) e colegas de profissão (27%) também estão entre os agentes da violência. Entretanto, figuras externas, como figuras políticas e seus assessores (18%), também desempenham papel significativo na perseguição, ampliando o caráter político-institucional das violações. Também estão entre os perpetradores das violências entidades e/ou figuras religiosas (10%), movimentos sociais/ideológicos (9%), entre outros.
O impacto desses ataques é profundo e gera consequências graves na vida profissional e pessoal das educadoras e educadores. A maioria dos que sofreram censura direta relatou forte abalo emocional, com aumento de tristeza e estresse (79%), ansiedade e/ou depressão (60%), receio pela própria segurança (41%) ou medo de perder o emprego (39%). O fenômeno atinge inclusive quem não sofreu agressões diretas, mostrando que o clima de medo se espalha para além das situações explícitas de violência.
Apesar de a violência partir majoritariamente de dentro das instituições, é entre colegas que as educadoras e os educadores mais encontram apoio (59%). Os sindicatos aparecem como fonte de apoio para 21% das e dos docentes. Ainda assim, 32% das e dos respondentes afirmaram não ter recebido acolhimento de nenhum grupo ou instituição, revelando uma fragilidade preocupante das redes de proteção.
O cenário traçado pelo ONVE aponta para uma crise estrutural que ameaça o presente e o futuro da educação pública. “Tal cenário impacta a vida pessoal e o cotidiano profissional dos docentes, ocasionando adoecimento e pode ser um dos atores que colaboram para o chamado ‘apagão de professores”, tornando a docência uma carreira pouco atrativa para os jovens no Brasil diante da desvalorização material, mas também do desprestígio profissional ao qual professores têm sido submetidos”, diz a publicação.
O ANDES-SN defende historicamente a liberdade de cátedra, a gestão democrática e a autonomia universitária. Para o Sindicato Nacional, o estudo reforça a urgência de enfrentar práticas de perseguição política, proteger a liberdade de ensinar e aprender, fortalecer mecanismos de acolhimento e defesa jurídica, combater o discurso de ódio e ampliar a ação sindical para garantir condições dignas de trabalho.
Confira aqui o estudo completo